Em 2011, fiz uma minuciosa pesquisa sobre "Ídolos no Esporte" que me serviu como base para eleaborar o meu Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo.
A pesquisa detalhou desde o que é ser um ídolo, mostrou qual a importância dele para a sociedade, esclareceu como é ser um ídolo no esporte e, por fim, como é ser ídolo usando a camisa número 1, ou seja, se é possível ou não ser um "herói" atuando como goleiro, a profissão mais ingrata do futebol.
A partir de agora, vou replicar neste blog o trecho sobre os goleiros, que escrevi com ajuda dos amigos Rafael Carrieri e Marcos Oliveira, em 2011, em homenagem a todos os goleiros desse planeta, sejam eles amadores ou profissionais. Feliz dia do goleiro.
HERÓI ÀS AVESSAS
Tempos atrás,
pouco depois de a profissão de goleiro ser efetivamente inserida no futebol, em
1871, os gordinhos, os fracos, os mais limitados ou aqueles que tinham pouca
intimidade com bola é quem atuavam como arqueiros. Para os que não apresentavam
claramente o dom de controlar a bola com os pés, o destino era justamente ficar
debaixo das traves, como diz o escritor Paulo Guilherme, em seu livro "Goleiros". “Eram as
vítimas ideais para a consagração dos que se julgavam os verdadeiros bons de
bola. Não pareciam ser capazes de obstruir a consagração dos garotos em busca
da glória de um gol”.
Guilherme
afirma que o goleiro, durante longo período, teve a imagem denegrida perante
seus espectadores justamente por ter a árdua missão de impedir o momento mais
glorioso do esporte: o gol. Enquanto o atacante é o grande protagonista dos
melhores momentos do futebol fazendo os gols e proporcionando alegrias a seus
clubes, ou países, inclusive, o arqueiro tinha sempre pouco a mostrar. Na
verdade, “o goleiro está na contramão do futebol”.
“Enquanto os outros dez jogadores da equipe andam para a frente,
com o objetivo máximo de marcar o gol, o goleiro vê todo o fluxo da partida
seguindo em sua direção, como um gladiador acuado na arena. Até que suas mãos
ganham uma elasticidade inusitada e ele consegue esticar a ponta dos dedos para
desviar a bola o suficiente para transformar todo o clímax gerado por aquela
jogada em uníssono: uuuhhhh! É o goleiro, o estraga- prazeres, o anticlímax do
futebol”, ressalta o escritor.
Nos tempos em
que a profissão ainda não havia conquistado de vez a graça do público, o
goleiro só aparecia na televisão sofrendo gols. Os holofotes eram voltados
apenas aos jogadores de linha. Embora atualmente isso tenha perdido a força,
Guilherme diz que o goleiro continua enfrentando dificuldades para
conquistar um espaço maior dentro do seleto grupo dos privilegiados. “Suas
defesas não entram em nenhuma estatística; ao contrário, os números mostram
apenas o total de gols sofridos, como se todo o resto do trabalho feito não
contasse. E, na maioria das vezes, não conta mesmo” (GUILHERME, 2006. p. 14).
Mas isso começou a mudar a partir do momento em que ele, o arqueiro, passou a
ser peça fundamental dentro campo. Por ser um jogador cujas obrigações se limitam
a evitar que o ataque adversário atinja seu objetivo, o atleta que atua na
posição “ingrata”, como diz o autor, tem a possibilidade de aproveitar os
momentos pontuais de solidão para desenvolver outras habilidades e funções
dentro das quatro linhas, porém sem a bola nos pés - ou nas mãos. Foi dessa
forma que o goleiro iniciou sua evolução. Guilherme diz que alguns
goleiros tiveram que deixar mais do que o simples suor escorrendo de seus
rostos, mais do que o cansaço físico e mental que a profissão exigia, e ainda
exige, de cada atleta. Precisou ter um mártir, um predestinado ao sofrimento,
um homem que pagasse pelos pecados de uma equipe inteira e que, ao mesmo tempo,
suportasse, para o resto de sua vida, o peso de uma derrota em Copa do Mundo dentro
de sua própria casa. Conforme explicou Guilherme (2006), precisou existir
Moacyr Barbosa para mudar o significado e a importância de um goleiro dentro de
uma equipe.
O DIA DA CONDENAÇÃO PERPÉTUA
O goleiro é,
até hoje, um jogador que passa boa parte do tempo isolado em seu espaço. É o
atleta mais solitário e o mais cobrado por todos. Um atacante pode perder dez
ou mais gols numa partida que não será tão cobrado como um goleiro que comete
uma falha. Segundo o livro “Goleiros” (2006), “Até 1950, os goleiros do Brasil
estavam acostumados a flertar com a virtude e o pecado, as pequenas vitórias e
os sublimes deslizes, em um eterno purgatório que não lhes permitia subir ao
céu ou descer ao inferno” (GUILHERME, 2006. p. 101). Mas foi Moacyr Barbosa, um
jovem negro ídolo do Vasco, que sentiu na pele a dor mais profunda e a
experiência máxima de viver na essência a tal solidão.
E foi no dia
21 de julho de 1950 que, conforme diz Guilherme, a história dos goleiros
encontrou seu divisor de águas. “O goleiro Moacyr Barbosa ingressou no seu
calvário, do qual nunca mais conseguiria sair. O Brasil perdeu a Copa do Mundo
em pleno estádio do Maracanã em uma inesperada derrota para o Uruguai por 2 a
1” (GUILHERME, 2006. p. 101).
Foi dos pés de
Alcides Ghiggia que o passaporte de Barbosa para o inferno foi carimbado. Assim
como no primeiro gol dos visitantes, o volante Júlio Perez lança em velocidade
o ponta-direita Ghiggia que, se seguisse o mesmo roteiro do primeiro gol, teria
cruzado a bola para Schiaffino balançar a rede brasileira. Dessa forma,
Barbosa, tentando prever a jogada que parecia tão previsível da equipe
uruguaia, se adiantou para tentar interceptar o cruzamento. Barbosa não poderia
contar era com o chute errado de Ghiggia que enganou a todos, inclusive o
arqueiro brasileiro, e entrou no canto esquerdo, num curto espaço entre o pé de
Barbosa e a trave.
Como diz
Guilherme (2006), Barbosa fez aquilo que era lógico, coerente, algo de muito
raciocínio, o que era uma das virtudes do goleiro. Porém, ficou provado que no
futebol não existe lógica. E foi a partir daquele momento, num único lance, que
o camisa 1 da Seleção Brasileira e do Vasco passou a pagar não apenas os seus
pecados, mas de toda uma equipe, ou até mesmo uma nação inteira.
“Barbosa não pôde recorrer ao videoteipe. Ao contrário, a imagem
que marcou sua vida acabou servindo de prova de um crime a ele atribuído. Um
país que desde os tempos de Tiradentes habitou-se a se eximir todas as culpas
elegendo um bode expiatório, como se um único cidadão fosse capaz de conduzir
uma Inconfidência ou ganhar uma Copa do Mundo, não perdoou o goleiro da
Seleção. Barbosa foi transformado no mártir às avessas, no Judas Iscariotes do
futebol brasileiro, no traidor da pátria, sinônimo de mau agouro. Foi julgado a
revelia e considerado culpado, culpado, mil vezes culpado”. (GUILHERME, 2006.
p. 102).
Depois da
derrota que o levou à condenação perpétua, conforme suas próprias palavras em
entrevista para o canal Sportv, Barbosa passou a servir como a única referência
de um homem batido. A imagem que ficou para as novas gerações foi a de um homem
levantando-se lentamente depois de sofrer o gol que o perseguiu até os últimos
dias de sua vida.
Mas Barbosa, o paulista que se consagrou no Rio de
Janeiro, era valente e jamais perdeu sua dignidade, como citou Guilherme (2006).
De acordo com o autor, mesmo depois do fracasso da Seleção Brasileira, o
goleiro brilhou com a camisa cruzmaltina. Com defesas incríveis e um
posicionamento de causar inveja aos outros atletas da posição, Barbosa levou o
Vasco aos títulos de campeão Carioca (1953 e 1958), Torneio Quadrangular do Rio
(1953), Torneio Quadrangular do Chile (1953) e de campeão do Torneio Rio-São
Paulo (1958).
Guilherme
(2006) conta que mesmo depois de ter sua imagem manchada, devido ao episódio
que tirou a chance do Brasil conquistar o que seria o primeiro título mundial
de futebol, o goleiro continuou a ser ídolo no clube em que conquistou seus
títulos. O Vasco reconhece Barbosa e a torcida não esquece de seus feitos.
2 comentários:
Sensacional as informações do texto Fernando, me diz uma coisa, guilherme foi quem escreveu "Goleiros, Heróis e anti heróis da camisa 1"?
muito bom vou até agendar e deixar como dica na nossa pagina no facebook!
Valdir,meu amigo.
Foi sim o Paulo Guilherme quem escreveu o livro. Ele tem muitas informações bacanas. Vale a pena a leitura.
Um abraço,
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