sexta-feira, 26 de abril de 2013

O Ídolo Também Veste a Camisa 1 - Parte 3 (final)

O HOMEM QUE TIROU O BRASIL DA FILA

Defesa de Yashin (Aranha Negra)
Na decisão de um jogo de futebol, a atuação do goleiro é tão importante quanto os gols. O único jogador do time a ter um treinador específico é o goleiro. Porém, como descreve o escritor Paulo Guilherme, em seu livro "Goleiros" (2006), é ele também que está sempre entre o céu e o inferno, podendo, em segundos, tornar-se ídolo ou vilão.

Encarar craques como Pelé, Zico, Maradona e Messi pela frente é uma missão difícil. Guilherme (2006) conta que os primeiros goleiros a se destacarem e se tornarem ídolos em seus clubes e seleções foram Lev Yashin, conhecido como Aranha Negra, da antiga União Soviética, e o inglês Gordon Banks, que ficou marcado por fazer uma das defesas mais belas da história do futebol em um cabeceio de Pelé, na Copa de 1970, disputada no México.

Assim como a defesa do inglês Banks, algumas bolas defendidas por certos goleiros acabam entrando para a história do futebol por conta da sua dificuldade. Foi o caso das sequências de defesas realizadas pelos goleiros Zetti, do São Paulo, na Copa Libertadores da América de 1993 e do goleiro uruguaio Rodolfo Rodrigues, em 1984, quando ainda defendia a equipe do Santos. Segundo o livro “Goleiros” (2006), outra defesa que ficou gravada na lembrança dos apaixonados por futebol foi protagonizada pelo colombiano René Higuita, conhecido por seu jeito irreverente. Corajoso, Higuita praticou a interceptação de um gol de uma forma não muito convencional entre os atletas da posição. Ele saltou com os dois pés erguidos para trás de seu corpo e, com as travas da chuteira, mandou a bola para bem longe de sua área. A tal façanha ganhou o nome de defesa “escorpião”.

Porém, o colombiano também ficou marcado por conta de um lance decisivo na Copa da Itália, em 1990, quando tentou driblar o atacante camaronês Roger Milla, perdeu a bola e sofreu o gol, o que lhe custou a eliminação da Colômbia no Mundial.
 
À esquerda, Gordon Banks defendendo cabeceio de Pelé. À direita, defesa escorpião
de Higuita
A seleção brasileira também teve goleiros inesquecíveis. Castilho, do Fluminense, e Leão, do Palmeiras, foram os goleiros que mais disputaram Copas do Mundo defendendo a seleção brasileira. Cada um jogou quatro Copas. Ainda segundo a obra de Paulo Guilherme (2006), o Brasil sempre esteve bem servido de goleiros. Além do injustiçado Barbosa, grandes nomes como Gilmar, Manga, Felix, Waldir Perez, Carlos, Marcos, Dida, entre outros, também vestiram a camisa do Brasil e deixaram boas lembranças. Um deles, em especial, dificilmente cairá no esquecimento da nação.

Taffarel arrumando a barreira
Cláudio André Taffarel foi o astro brasileiro da Copa de 1994 que tirou o Brasil de uma longa fila de 24 anos sem uma conquista de Mundial. Guilherme (2006) conta que Taffarel não vivia o melhor de sua fase como jogador de futebol. Na Itália, havia cometido falhas grotescas atuando pelo Parma. Enquanto vinha de seguidas falhas, inclusive pela Seleção Brasileira, Zetti, jogando no São Paulo era o nome mais pedido pela torcida e pela mídia brasileira. Mas, partindo do princípio de que goleiro é a peça de confiança do treinador, como disse Guilherme, em “Goleiros” (2006), Carlos Alberto Perreira, comandante da seleção canarinho na época, resolveu convocar Taffarel e dar mais uma oportunidade ao goleiro, já que o goleiro já tinha vivido a experiência de jogar pelo Brasil em 1990. Parreira até chegou a ser questionados por alguns críticos, mas seguiu seu instinto e manteve sua decisão. O escritor José Augusto de Aguiar Costa (2008) acreditava que Taffarel era diferente de todos. Para ele, o goleiro sempre foi sereno, de ótimo caráter e avesso às confusões que acercam o futebol. Ouvia calado as pesadas críticas que a imprensa fazia, mas procurava responder em campo sem pensar em revanche, apenas buscando o bem da sua equipe. As respostas, no entanto, vieram no melhor estilo. Ele foi fundamental na conquista da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, no qual até o pênalti de Massaro ele defendeu na final. Como disse Guilherme (2006), a estrela de Taffarel, enfim, brilhou. Costa (2008) conta que com a conquista Taffarel passou a ser considerado herói daquela equipe que tinha Romário e Bebeto no ataque. Porém, o jogador faz questão de negar o rótulo, conforme diz o livro “Heróis do esporte, heróis da vida” (2007), do escritor José Augusto de Aguiar.
 
Taffarel comemorando título do Brasil na Copa do Mundo de 1994
 

Quatro anos mais tarde, ele estava de volta a uma Copa do Mundo, dessa vez na França. Foi a terceira Copa seguida do camisa 1 como titular, algo até então inédito, como diz Costa (2008), para um goleiro brasileiro. Seu auge foi na semifinal contra Holanda. Naquele dia Taffarel estava intransponível. Graças às suas defesas durante a partida, a decisão foi para disputa de pênaltis e, mais uma vez, Taffarel estava lá para salvar a seleção. Era novamente o dia do goleiro que defendeu as cobranças de Ronald de Boer e Cocu. Com isso, o Brasil avançou à final. Ao término da partida ele declarou que o feito não tinha sido ele, mas sim Deus, descreve Costa (2008).

Para tristeza do povo brasileiro, a final não foi como se imaginava. Após os problemas de Ronaldo, fora das quatro linhas, o Brasil foi a campo abalado deixou escapar a chance de conquistar o penta campeonato. A anfitriã França, de Zinedine Zidane, venceu por 3 a 0 o Brasil de Taffarel e deu ao seu país o inédito título mundial.

Com a mudança de treinador após a copa, Taffarel começou a perder espaço e, em 2003, decidiu encerrar carreira, da mesma forma serena que sempre levou a vida, sem despedidas ou festa, mas com o status de um dos principais goleiros que já vestiram a camisa da seleção Brasileira, como citou Guilherme (2006).

 

O Ídolo Também Veste a Camisa 1 - Parte 2

A IMAGEM IDEAL DO ÍDOLO

Com o fato histórico de 1950, rotulado por todos como ‘Maracanazo’, os goleiros brasileiros passaram, segundo Paulo Guilherme, no livro "Goleiros" (2006), por um longo período de falta de confiança por parte do torcedor. Isso só começou a mudar a partir da inovação da posição através dos treinamentos específicos realizados pelo ex-goleiro Valdir Joaquim de Morais.

 Anos mais tarde, em 1987, o Palmeiras, grande clube da capital paulista, revelava um novo goleiro para a posição de titular da equipe. Esse jovem goleiro é Armelino Donizetti Quagliato, mais conhecido como Zetti. Treinado pelo professor Valdir, Zetti teria a difícil missão de assumir a responsabilidade de defender o Palmeiras, que até o momento sentia uma carência de arqueiros, mostrando aquilo que ele sempre teve de melhor: muita responsabilidade. Segundo Guilherme (2006), não demorou muito para Zetti mostrar seu valor e se tornar ídolo do clube alviverde. No campeonato Paulista de 1987, por exemplo, o goleiro atingiu a marca de treze jogos, 1.238 minutos, sem tomar um só gol. Essa marca foi a quinta melhor da história do futebol brasileiro, conforme informa o livro “Dança dos Deuses” (2007).

Segundo Guilherme (2006), tudo andava perfeito demais para o goleiro. Sua evolução como jogador profissional acontecia de forma inesperada. Nem mesmo o frango que Zetti sofreu por debaixo das pernas ao não pedir barreira para tentar defender a cobrança de falta de Neto, que atuava pelo São Paulo, em partida válida pela semifinal do Campeonato Paulista, conseguiu inibir a “muralha” alviverde de crescer nos gramados. Nada poderia parar o goleiro, a não ser, como relatou Guilherme (2006), uma contusão, já que naquela época a recuperação para certas lesões eram muito mais demoradas do que nos dias atuais. A preocupação de Zetti, de acordo com o livro “Goleiros” (2006), era perder sua posição como titular, principlamente porque o Palmeiras sempre foi uma grande academia de goleiros, e lançar um novo jogador seria algo inevitável.

“O grande golpe na carreira de Zetti foi ter quebrado a perna ao dividir uma bola com o atacante Bebeto, do Flamengo, em 1988. O goleiro ficou afastado do futebol por seis meses, com a perna imobilizada. Quando pôde, finalmente, voltar a treinar, viu que seu lugar já estava ocupado. O Palmeiras, uma verdadeira fábrica de goleiros, já tinha revelado um substituto tão bom quanto ele, o garoto Velloso. E Zetti teve de sair em busca de emprego”.  (GUILHERME, 2006. p. 222).

Foi a partir desse momento que as coisas começaram a ficar difíceis para o goleiro. No retorno dele à equipe, foi obrigado a disputar vaga na reserva do time. Alguns clubes, sabendo que seria um tremendo desperdício ver Zetti fora dos gramados, tentaram negociações com o goleiro, porém o Palmeiras barrava.

Mas, de acordo com o portal oficial do goleiro1, a única forma que Zetti achou para deixar o clube foi comprando seu próprio passe, pois assim ele pôde negociar, sem nenhuma intervenção, com o um clube europeu, no qual teve uma curta passagem.

O guarda-metas, como também são chamados os jogadores que atuam debaixo das traves, retornou para o Brasil para assinar um contrato com o São Paulo Futebol Clube. E foi na equipe do Morumbi que Zetti viveu sua melhor fase e se tornou um dos maiores ídolos da história do clube, conquistando títulos importantes, como relata o livro “Nascidos para Vencer” (2009), dos jornalistas Luís Augusto Simon e Marcelo Prado. Comandado pelo técnico Telê Santana, Zetti passou a ser, ao lado de Raí e Müller, um dos homens de confiança do treinador. E foi no ano de 1992 que o goleiro chegou ao momento mais importante de sua carreira, conforme diz o jornalista Luis Augusto Símon (2010), no livro “Os 11 Maiores Goleiros do Futebol Brasileiro”. Foi o título de campeão da Taça libertadores da América, no qual foi conquistado depois do pênalti defendido por ele, na cobrança de Gamboa, do Newells Old Boys, da Argentina. E, se os títulos conquistados o levaram ao topo do futebol mundial, já que no mesmo ano de 1992 o São Paulo bateu o incontestável e temido Barcelona, da Espanha, o caráter e a tranquilidade dele o levou, definitivamente, ao rótulo de ídolo.

A boa fase lhe rendeu, também, o carinho da torcida brasileira e a convocação por parte de Carlos Alberto Parreira para integrar-se ao grupo que seria campeão da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, com a Seleção Brasileira.

Embora não tenha sido o titular, já que Parreira optou por Taffarel mesmo não atravessando seu melhor momento no futebol italiano, Zetti chegou à Seleção com status de melhor do Brasil. Como diz Guilherme, em “Goleiros” (2006), Zetti se sobressaiu principalmente pelos títulos de campeão Brasileiro (1991), Bicampeão da Libertadores da América (1992 e 1993) e do Mundial de Clubes (1992 e 1993), e vivia sua melhor época na carreira.
 
Talvez o que possa ter atrapalhado, de certa forma, sua concretização como o camisa 1 da seleção canarinho foi um fato que teve bastante repercussão na mídia brasileira. O goleiro do São Paulo, e reserva da Seleção Brasileira, “acabou sendo pivô de um episódio conturbado” (GUILHERME, 2006. p. 228). Embora não tivesse atuado contra a Bolívia, em jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, em La Paz, Zetti foi um dos sorteados para fazer o exame antidoping após a partida. O resultado, como disse Paulo Guilherme (2006), foi “surpreendente”: a presença de cocaína foi encontrada na urina do goleiro que sempre foi conhecido como uma pessoa de bom caráter, um ídolo exemplar.
“Zetti foi suspenso preventivamente pela FIFA e a CBF partiu em sua defesa, alegando que tudo se tratava de um grande mal-entendido. A cocaína registrada no exame era consequência do chá de coca que Zetti consumiu para atenuar os efeitos da altitude. O Brasil contou ainda com o reforço de advogados bolivianos. O zagueiro Miguel Angel Rimba, da Bolívia, também foi suspenso pelos mesmos motivos. Os bolivianos mostraram à FIFA imagens do Papa João Paulo II tomando chá de coca para provar que aquela era uma prática comum e saudável no país”.  (GUILHERME, 2006. p. 229).
 
Tudo porque, no dia anterior, muitos jogadores da Seleção Brasileira consumiram o tal chá em grande quantidade para diminuir os efeitos da altitude. Como explica Guilherme (2006), o cansaço, a dificuldade para respirar e a tontura são os principais sintomas causados pela altitude da Bolívia. Mas não demorou muito para a FIFA reconhecer o mal-entendido e dar a anistia a Zetti, que retomou sua dignidade e voltor a ser o ídolo exemplar.
 
 
 
 
 
 
 
Em 1995, fui ao CT do São Paulo Futebol Clube e ganhei um autógrafo do Zetti na minha camisa de goleiro, réplica da que ele usava em seus jogos pelo São Paulo. A emoção foi tanta que sequer lavei a camiseta. O autógrafo permanece intacto no peito e em breve virará quadro. Anos mais tarde, em  2011, tive o enorme prazer de bater um papo com o ídolo em sua academia de goleiros (Fechando o Gol). Foi uma entrevista de quase 1 hora para o documentário "Goleiros - Onde não Nasce Grama, surgem Ídolos"  
 
 
 
 
 
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1 Trecho extraído do portal: , no dia 25/09/2011

O Ídolo Também Veste a Camisa 1 - Parte 1

Em 2011, fiz uma minuciosa pesquisa sobre "Ídolos no Esporte" que me serviu como base para eleaborar o meu Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo.
 
A pesquisa detalhou desde o que é ser um ídolo, mostrou qual a importância dele para a sociedade, esclareceu como é ser um ídolo no esporte e, por fim, como é ser ídolo usando a camisa número 1, ou seja, se é possível ou não ser um "herói" atuando como goleiro, a profissão mais ingrata do futebol.
 
A partir de agora, vou replicar neste blog o trecho sobre os goleiros, que escrevi com ajuda dos amigos Rafael Carrieri e Marcos Oliveira, em 2011, em homenagem a todos os goleiros desse planeta, sejam eles amadores ou profissionais. Feliz dia do goleiro.



HERÓI ÀS AVESSAS

Tempos atrás, pouco depois de a profissão de goleiro ser efetivamente inserida no futebol, em 1871, os gordinhos, os fracos, os mais limitados ou aqueles que tinham pouca intimidade com bola é quem atuavam como arqueiros. Para os que não apresentavam claramente o dom de controlar a bola com os pés, o destino era justamente ficar debaixo das traves, como diz o escritor Paulo Guilherme, em seu livro "Goleiros". “Eram as vítimas ideais para a consagração dos que se julgavam os verdadeiros bons de bola. Não pareciam ser capazes de obstruir a consagração dos garotos em busca da glória de um gol”.

Guilherme afirma que o goleiro, durante longo período, teve a imagem denegrida perante seus espectadores justamente por ter a árdua missão de impedir o momento mais glorioso do esporte: o gol. Enquanto o atacante é o grande protagonista dos melhores momentos do futebol fazendo os gols e proporcionando alegrias a seus clubes, ou países, inclusive, o arqueiro tinha sempre pouco a mostrar. Na verdade, “o goleiro está na contramão do futebol”.

“Enquanto os outros dez jogadores da equipe andam para a frente, com o objetivo máximo de marcar o gol, o goleiro vê todo o fluxo da partida seguindo em sua direção, como um gladiador acuado na arena. Até que suas mãos ganham uma elasticidade inusitada e ele consegue esticar a ponta dos dedos para desviar a bola o suficiente para transformar todo o clímax gerado por aquela jogada em uníssono: uuuhhhh! É o goleiro, o estraga- prazeres, o anticlímax do futebol”, ressalta o escritor.

Nos tempos em que a profissão ainda não havia conquistado de vez a graça do público, o goleiro só aparecia na televisão sofrendo gols. Os holofotes eram voltados apenas aos jogadores de linha. Embora atualmente isso tenha perdido a força, Guilherme diz que o goleiro continua enfrentando dificuldades para conquistar um espaço maior dentro do seleto grupo dos privilegiados. “Suas defesas não entram em nenhuma estatística; ao contrário, os números mostram apenas o total de gols sofridos, como se todo o resto do trabalho feito não contasse. E, na maioria das vezes, não conta mesmo” (GUILHERME, 2006. p. 14). Mas isso começou a mudar a partir do momento em que ele, o arqueiro, passou a ser peça fundamental dentro campo. Por ser um jogador cujas obrigações se limitam a evitar que o ataque adversário atinja seu objetivo, o atleta que atua na posição “ingrata”, como diz o autor, tem a possibilidade de aproveitar os momentos pontuais de solidão para desenvolver outras habilidades e funções dentro das quatro linhas, porém sem a bola nos pés - ou nas mãos. Foi dessa forma que o goleiro iniciou sua evolução. Guilherme diz que alguns goleiros tiveram que deixar mais do que o simples suor escorrendo de seus rostos, mais do que o cansaço físico e mental que a profissão exigia, e ainda exige, de cada atleta. Precisou ter um mártir, um predestinado ao sofrimento, um homem que pagasse pelos pecados de uma equipe inteira e que, ao mesmo tempo, suportasse, para o resto de sua vida, o peso de uma derrota em Copa do Mundo dentro de sua própria casa. Conforme explicou Guilherme (2006), precisou existir Moacyr Barbosa para mudar o significado e a importância de um goleiro dentro de uma equipe.
 
O DIA DA CONDENAÇÃO PERPÉTUA
 
O goleiro é, até hoje, um jogador que passa boa parte do tempo isolado em seu espaço. É o atleta mais solitário e o mais cobrado por todos. Um atacante pode perder dez ou mais gols numa partida que não será tão cobrado como um goleiro que comete uma falha. Segundo o livro “Goleiros” (2006), “Até 1950, os goleiros do Brasil estavam acostumados a flertar com a virtude e o pecado, as pequenas vitórias e os sublimes deslizes, em um eterno purgatório que não lhes permitia subir ao céu ou descer ao inferno” (GUILHERME, 2006. p. 101). Mas foi Moacyr Barbosa, um jovem negro ídolo do Vasco, que sentiu na pele a dor mais profunda e a experiência máxima de viver na essência a tal solidão.

E foi no dia 21 de julho de 1950 que, conforme diz Guilherme, a história dos goleiros encontrou seu divisor de águas. “O goleiro Moacyr Barbosa ingressou no seu calvário, do qual nunca mais conseguiria sair. O Brasil perdeu a Copa do Mundo em pleno estádio do Maracanã em uma inesperada derrota para o Uruguai por 2 a 1” (GUILHERME, 2006. p. 101).

Foi dos pés de Alcides Ghiggia que o passaporte de Barbosa para o inferno foi carimbado. Assim como no primeiro gol dos visitantes, o volante Júlio Perez lança em velocidade o ponta-direita Ghiggia que, se seguisse o mesmo roteiro do primeiro gol, teria cruzado a bola para Schiaffino balançar a rede brasileira. Dessa forma, Barbosa, tentando prever a jogada que parecia tão previsível da equipe uruguaia, se adiantou para tentar interceptar o cruzamento. Barbosa não poderia contar era com o chute errado de Ghiggia que enganou a todos, inclusive o arqueiro brasileiro, e entrou no canto esquerdo, num curto espaço entre o pé de Barbosa e a trave.

Como diz Guilherme (2006), Barbosa fez aquilo que era lógico, coerente, algo de muito raciocínio, o que era uma das virtudes do goleiro. Porém, ficou provado que no futebol não existe lógica. E foi a partir daquele momento, num único lance, que o camisa 1 da Seleção Brasileira e do Vasco passou a pagar não apenas os seus pecados, mas de toda uma equipe, ou até mesmo uma nação inteira.
 
“Barbosa não pôde recorrer ao videoteipe. Ao contrário, a imagem que marcou sua vida acabou servindo de prova de um crime a ele atribuído. Um país que desde os tempos de Tiradentes habitou-se a se eximir todas as culpas elegendo um bode expiatório, como se um único cidadão fosse capaz de conduzir uma Inconfidência ou ganhar uma Copa do Mundo, não perdoou o goleiro da Seleção. Barbosa foi transformado no mártir às avessas, no Judas Iscariotes do futebol brasileiro, no traidor da pátria, sinônimo de mau agouro. Foi julgado a revelia e considerado culpado, culpado, mil vezes culpado”. (GUILHERME, 2006. p. 102).
Depois da derrota que o levou à condenação perpétua, conforme suas próprias palavras em entrevista para o canal Sportv, Barbosa passou a servir como a única referência de um homem batido. A imagem que ficou para as novas gerações foi a de um homem levantando-se lentamente depois de sofrer o gol que o perseguiu até os últimos dias de sua vida.
 
 “Os novos torcedores nunca viram uma defesa de Barbosa, nunca testemunharam o goleiro salvando a meta da seleção ou de seu clube, o Vasco. São raras as imagens em que ele aparece mostrando sua incrível agilidade e reflexo para cobrir os ângulos, a velocidade para sair aos pés dos atacantes, a frieza para neutralizar o adversário que aparecia à sua frente”. (GUILHERME, 2006. p. 103).

Mas Barbosa, o paulista que se consagrou no Rio de Janeiro, era valente e jamais perdeu sua dignidade, como citou Guilherme (2006). De acordo com o autor, mesmo depois do fracasso da Seleção Brasileira, o goleiro brilhou com a camisa cruzmaltina. Com defesas incríveis e um posicionamento de causar inveja aos outros atletas da posição, Barbosa levou o Vasco aos títulos de campeão Carioca (1953 e 1958), Torneio Quadrangular do Rio (1953), Torneio Quadrangular do Chile (1953) e de campeão do Torneio Rio-São Paulo (1958).

Guilherme (2006) conta que mesmo depois de ter sua imagem manchada, devido ao episódio que tirou a chance do Brasil conquistar o que seria o primeiro título mundial de futebol, o goleiro continuou a ser ídolo no clube em que conquistou seus títulos. O Vasco reconhece Barbosa e a torcida não esquece de seus feitos.

domingo, 7 de abril de 2013

Ser goleiro está no sangue

Há alguns meses, remexendo em álbuns de fotos antigas, encontrei diversas fotografias do tempo em que meu avô materno, um paulistano de descendência italiana, personalidade forte, torcedor doente do Palmeiras desde os tempos de Palestra Itália, jogava futebol pelos bairros da capital paulista.
 
Murillo Tucci é o nome dele e desde pequeno adorava atuar como goleiro nas peladas. Segundo o que ele mesmo me contava, quando o assunto era futebol, uma de suas mais importantes características como arqueiro era o estilo arrojado, principalmente quando precisava praticar uma "ponte", como a da foto.

Sr. Murillo, meu avô, saltando para praticar a "ponte"

Ele jogou em diversos times de várzea de São Paulo. Conheceu centenas de campos em muitos pontos da cidade. Por um longo tempo, foi goleiro titular do A.A. República da Aclimação que, por ironia do destino, anos mais tarde a camisa 1 passou a ser minha.

Sempre com muitas histórias incríveis sobre o esporte bretão, Sr. Murillo dizia que para ser um bom goleiro o primeiro passo é não ter medo.
 
"Meu neto, goleiro bom de verdade é aquele que não olha para o atacante. Se olha, não se impressiona pelo tamanho dele ou pela fama de matador", dizia com toda firmeza do mundo e ressaltando que o guarda-metas "não pode ter medo caso seja necessário saltar sobre o pé do oponente".
 
A grande inspiração do meu avô talvez tenha sido seu tio, o Tucci, que foi titular do Palestra Itália. Estou buscando mais informações sobre ele, mas há poucos arquivos sobre aquela época disponibilizados na internet.
 
Há uma história muito engraçada que meu pai conta até hoje sobre o Sr. Murillo. Certa vez, quando eu ainda tinha 1 ou 2 anos, a família foi passar as férias na praia do Guaraujá, Litoral Sul de São Paulo. Numa tarde na praia, a família (meus tios, meu pai, alguns parentes do meu avô e amigos da família) resolveram armar uma partida com alguns "locais" do Guarujá.
 
Outra defesa de Murillo Tucci
 
O time estava completo. De repente, numa jogada um pouco mais forte, o atacante do time adversário foi atingido pelo time da minha família. O goleiro, que sinceramente não sei quem era, se machucou e teve que deixar a brincadeira. Não havia mais ninguém para completar a equipe. Meu avô, que já tinha quase seus 60 anos e não jogava futebol há muito tempo, resolveu se candidatar à vaga.
 
Todos ficaram reciosos, mas, como não passava de uma brincadeira, resolveram deixá-lo jogar, mesmo sabendo que ele já tinha bebido sua terceira garrafa de cerveja. O grande problema é que o goleiro que deixou a partida havia cometido pênalti, ou seja, meu avô entrou numa verdadeira fria. 
 
Pois bem. O atacante, já recuperado da dividida com o goleiro, ajeita a bola na linha do pênalti, na marca da cal, levanta a cabeça e olha para o meu avô. Meu pai disse que nesse momento ele já esperava a bola balançar a rede. O tal atacante tomou distância e esperou o árbitro apitar. Assim que o apito soou, o camisa 9 correu e disparou um tremendo canhão. Nesse momento meu avô saltou feito um gato, se esticou todo e praticou uma tremenda defesa, sem sequer dar rebote. Arrancou aplausos não só dos que assistiam à partida, mas dos próprios adversários. Meu pai disse que se encheu de orgulho do sogro.
 
Alguns anos mais tarde, meu primo, Marcelo Lopes, também neto do Sr. Murillo, despontava como um baita goleiro. Chegou a treinar no Corinthians (equipe principal de salão) e foi convidado pelo Bragantino para iniciar sua carreira como goleiro da equipe de base do clube. Dirigentes foram até o apartamento do meu tio levar o contrato para ser assinado. Porém meu tio tinha outros planos para o Marcelo. Ele queria investir nos seus estudos. Meu tio conta que se arrepende de não ter assinado aquele papel.

Zetti praticando linda defesa contra o Palmeiras

Por incrível que pareça, já em outra geração, quem se interessou pela posição de goleiro, e ainda se saber de toda essa história do meu avô, fui eu. Lembro exatamente o que me motivou a querer ser o goleiro da turminha na escola.
 
Foi em 1991, num jogo do São Paulo que foi transmitido pela televisão e que o Zetti fez mais do que grandes defesas. Ele fez verdadeiros milagres. Não lembro quanto foi o jogo, qual foi a partida e quanto terminou a contagem no placar. Só lembro que, desde então, passei a admirar e olhar com muito mais cuidado sobre os goleiros. Sou um verdadeiro defensor dos profissionais que vestem a camisa 1 - ou a 12, a 22, seja lá qual for o número. Já me chamaram até de corporativista por conta disso (risos).
 
Zetti passou a ser o meu ídolo número um. Aliás, ele foi o melhor goleiro que vi atuar. E olha que não vi poucos. Ronaldo, Taffarel, Gilmar, Danrlei, Sérgio, Preudhome, Casillas, Buffon, Zenga, Pagliuca, Marcos, Rogério Ceni, Veloso, dentre outros grandes...
 
Em 1997, passei a treinar na Escola de Futebol da Aclimação, onde disputei a Taça São Paulo. No ano seguinte, joguei o Campeonato Estadual (D.E.F). Em 2001, quando eu já havia completado meus 18 anos, tive o enorme prazer de conhecer o meu ídolo Zetti. Fiz uma espécie de teste no São Paulo, na categoria de base, no qual o Zetti era o técnico. Infelizmente cheguei um pouco velho demais para dar início nessa carreira e até mesmo realizar meu sonho. Enfim, talvez não estivesse escrito nas estrelas, o fato é que conheci um grande cara. Um exemplo do futebol. Uma pessoa que, anos mais tarde, quando precisei entrevistá-lo para meu documentário sobre goleiros, me atendeu ao telefone e se pôs à disposição para ajudar.

 
Mas, voltando à história do meu avô, em 2000 ele faleceu. Obviamente fiquei muito deprimido, principalmente porque ele morava comigo. Era como meu segundo pai. E, além de muitas saudades, ensinamentos fantásticos e histórias incríveis, ele deixou a certeza de que ser goleiro não é apenas uma opção, mas está no sangue. O seu legado é para minha vida toda. Obrigado meu avô.
 
Fernando Richter (eu) em partida pela Copa Imprensa 2012


sábado, 6 de abril de 2013

Pode até vencer o Galo, mas não merece a classificação

Depois do péssimo resultado do São Paulo diante do The Strongest, da Bolívia, em partida válida pela Taça Libertadores da América, fiz um desabafo nas redes sociais que geram comentários distintos por parte de torcedores são-paulinos. Houve quem concordou e até aproveitou para dar o seu pitaco, mas também teve aqueles que ficaram chateados comigo.
 
Tudo porque eu fiz duras declarações de insatisfação com a postura da equipe nos últimos anos. Há tempos, desde o final de 2008, quando o São Paulo tinha um técnico de verdade e conquistou o terceiro campeonato Brasileiro consecutivo, que o clube não comemora nenhum campeonato expressivo. Venceu uma Copa Sul-Americana que, com todo o respeito, não representa absolutamente nada.
 
Meu coração é tricolor, sempre foi, e nunca fiz questão de esconder isso aqui neste blog dedicado ao futebol. No entanto, não é porque tenho um clube do coração que vou poupá-lo de possíveis críticas quando necessário.
 
Por uma decisão arbitrária do presidente Juvenal Juvêncio, que mais parece um líder ditador, o técnico Muricy Ramalho foi demitido do cargo porque não conseguiu êxito na competição intercontinental. A partir disso, o clube do Morumbi iniciou sua caminhada para uma fase terrível.
 
De lá para cá passaram-se pelo clube seis treinadores (Ricardo Gomes, Sérgio Baresi, Paulo César Carpegianni, Adilson Batista, Émerson Leão), mas nenhum deles conseguiu estabelecer um padrão de jogo adequado a ponto de acabar com a má fase. Pelo contrário. Em 2010 fez uma campanha mediana no Campeonato Brasileiro e ficou fora da Libertadores do ano seguinte. O mesmo aconteceu em 2011 e, por conta de outra campanha pífia, ficou de fora da competição intercontinental em 2012.
 
A diretoria até que apostou em alguns reforços. Trouxe Jadson, Cortês, promoveu Lucas, que pertencia à base, e gastou cerca de 20 milhões de reais para repatriar Luis Fabiano, que se mostrou disposto a retornar ao Brasil e defender o clube das três cores. Emerson Leão, até então treinador da equipe, perdeu o comando e arrumou confusões nos bastidores, o que resultou na sua demissão.
 
Não havia opções de treinadores renomados no mercado. Porém, por conta de uma campanha brilhante com a seleção Brasileira, quando conquistou o Mundial Sub-20, em 2011, Ney Franco foi contratado para assumir o São Paulo. Pouco depois chegou Paulo Henrique Ganso, que passou um longo tempo se recuperando de uma lesão até estrear com a camisa tricolor.
 
Obviamente a equipe mostrou reação. O novo treinador até conseguiu resultados importantes e melhorou a postura da equipe dentro de campo. Por determinado momento cheguei a pensar que as coisas realmente mudariam de figura. A conquista da Sul-Americana (2012), o bom início no campeonato Paulista e classificação na pré-Libertadores davam indícios de que Ney Franco havia conseguido colocar o time na linha.
 
Foram apenas indícios. Nada foi suficiente para engrenar. O São Paulo vive um tremendo "altos e baixos". Pelo Campeonato Paulista, segue líder com um jogo a menos. No entanto, pela Libertadores, a equipe jogou cinco vezes e venceu apenas uma partida. Para conseguir a classificação para a segunda fase precisa vencer a melhor equipe da competição, o Atlético-MG, e torcer por um resultado favorável ao Arsenal, da Argentina, diante do The Strongest, da Bolívia. Ou seja, é uma missão praticamente impossível.
 
Claro que em futebol tudo é possível. Já vi muitas reviravoltas inacreditáveis. Mas o fato é que o São Paulo é um time que não tem brilho, não causa suspiros ao torcedor, não traz emoção, não encanta, sequer demonstra vontade de vencer. Na minha opinião (como torcedor são-paulino), o clube não merece a classificação. Ainda sou do tipo romântico que concorda com as palavras de Telê Santana: "Prefiro que a minha equipe perca jogando bem do que vença jogando mal"