domingo, 7 de abril de 2013

Ser goleiro está no sangue

Há alguns meses, remexendo em álbuns de fotos antigas, encontrei diversas fotografias do tempo em que meu avô materno, um paulistano de descendência italiana, personalidade forte, torcedor doente do Palmeiras desde os tempos de Palestra Itália, jogava futebol pelos bairros da capital paulista.
 
Murillo Tucci é o nome dele e desde pequeno adorava atuar como goleiro nas peladas. Segundo o que ele mesmo me contava, quando o assunto era futebol, uma de suas mais importantes características como arqueiro era o estilo arrojado, principalmente quando precisava praticar uma "ponte", como a da foto.

Sr. Murillo, meu avô, saltando para praticar a "ponte"

Ele jogou em diversos times de várzea de São Paulo. Conheceu centenas de campos em muitos pontos da cidade. Por um longo tempo, foi goleiro titular do A.A. República da Aclimação que, por ironia do destino, anos mais tarde a camisa 1 passou a ser minha.

Sempre com muitas histórias incríveis sobre o esporte bretão, Sr. Murillo dizia que para ser um bom goleiro o primeiro passo é não ter medo.
 
"Meu neto, goleiro bom de verdade é aquele que não olha para o atacante. Se olha, não se impressiona pelo tamanho dele ou pela fama de matador", dizia com toda firmeza do mundo e ressaltando que o guarda-metas "não pode ter medo caso seja necessário saltar sobre o pé do oponente".
 
A grande inspiração do meu avô talvez tenha sido seu tio, o Tucci, que foi titular do Palestra Itália. Estou buscando mais informações sobre ele, mas há poucos arquivos sobre aquela época disponibilizados na internet.
 
Há uma história muito engraçada que meu pai conta até hoje sobre o Sr. Murillo. Certa vez, quando eu ainda tinha 1 ou 2 anos, a família foi passar as férias na praia do Guaraujá, Litoral Sul de São Paulo. Numa tarde na praia, a família (meus tios, meu pai, alguns parentes do meu avô e amigos da família) resolveram armar uma partida com alguns "locais" do Guarujá.
 
Outra defesa de Murillo Tucci
 
O time estava completo. De repente, numa jogada um pouco mais forte, o atacante do time adversário foi atingido pelo time da minha família. O goleiro, que sinceramente não sei quem era, se machucou e teve que deixar a brincadeira. Não havia mais ninguém para completar a equipe. Meu avô, que já tinha quase seus 60 anos e não jogava futebol há muito tempo, resolveu se candidatar à vaga.
 
Todos ficaram reciosos, mas, como não passava de uma brincadeira, resolveram deixá-lo jogar, mesmo sabendo que ele já tinha bebido sua terceira garrafa de cerveja. O grande problema é que o goleiro que deixou a partida havia cometido pênalti, ou seja, meu avô entrou numa verdadeira fria. 
 
Pois bem. O atacante, já recuperado da dividida com o goleiro, ajeita a bola na linha do pênalti, na marca da cal, levanta a cabeça e olha para o meu avô. Meu pai disse que nesse momento ele já esperava a bola balançar a rede. O tal atacante tomou distância e esperou o árbitro apitar. Assim que o apito soou, o camisa 9 correu e disparou um tremendo canhão. Nesse momento meu avô saltou feito um gato, se esticou todo e praticou uma tremenda defesa, sem sequer dar rebote. Arrancou aplausos não só dos que assistiam à partida, mas dos próprios adversários. Meu pai disse que se encheu de orgulho do sogro.
 
Alguns anos mais tarde, meu primo, Marcelo Lopes, também neto do Sr. Murillo, despontava como um baita goleiro. Chegou a treinar no Corinthians (equipe principal de salão) e foi convidado pelo Bragantino para iniciar sua carreira como goleiro da equipe de base do clube. Dirigentes foram até o apartamento do meu tio levar o contrato para ser assinado. Porém meu tio tinha outros planos para o Marcelo. Ele queria investir nos seus estudos. Meu tio conta que se arrepende de não ter assinado aquele papel.

Zetti praticando linda defesa contra o Palmeiras

Por incrível que pareça, já em outra geração, quem se interessou pela posição de goleiro, e ainda se saber de toda essa história do meu avô, fui eu. Lembro exatamente o que me motivou a querer ser o goleiro da turminha na escola.
 
Foi em 1991, num jogo do São Paulo que foi transmitido pela televisão e que o Zetti fez mais do que grandes defesas. Ele fez verdadeiros milagres. Não lembro quanto foi o jogo, qual foi a partida e quanto terminou a contagem no placar. Só lembro que, desde então, passei a admirar e olhar com muito mais cuidado sobre os goleiros. Sou um verdadeiro defensor dos profissionais que vestem a camisa 1 - ou a 12, a 22, seja lá qual for o número. Já me chamaram até de corporativista por conta disso (risos).
 
Zetti passou a ser o meu ídolo número um. Aliás, ele foi o melhor goleiro que vi atuar. E olha que não vi poucos. Ronaldo, Taffarel, Gilmar, Danrlei, Sérgio, Preudhome, Casillas, Buffon, Zenga, Pagliuca, Marcos, Rogério Ceni, Veloso, dentre outros grandes...
 
Em 1997, passei a treinar na Escola de Futebol da Aclimação, onde disputei a Taça São Paulo. No ano seguinte, joguei o Campeonato Estadual (D.E.F). Em 2001, quando eu já havia completado meus 18 anos, tive o enorme prazer de conhecer o meu ídolo Zetti. Fiz uma espécie de teste no São Paulo, na categoria de base, no qual o Zetti era o técnico. Infelizmente cheguei um pouco velho demais para dar início nessa carreira e até mesmo realizar meu sonho. Enfim, talvez não estivesse escrito nas estrelas, o fato é que conheci um grande cara. Um exemplo do futebol. Uma pessoa que, anos mais tarde, quando precisei entrevistá-lo para meu documentário sobre goleiros, me atendeu ao telefone e se pôs à disposição para ajudar.

 
Mas, voltando à história do meu avô, em 2000 ele faleceu. Obviamente fiquei muito deprimido, principalmente porque ele morava comigo. Era como meu segundo pai. E, além de muitas saudades, ensinamentos fantásticos e histórias incríveis, ele deixou a certeza de que ser goleiro não é apenas uma opção, mas está no sangue. O seu legado é para minha vida toda. Obrigado meu avô.
 
Fernando Richter (eu) em partida pela Copa Imprensa 2012


Um comentário:

Anônimo disse...

FERNANDO MUITO LINDA A HOMENAGEM QUE VC FEZ AO SEU AVO NO SEU BLOG O SEU TIO FICOU COM INVEJA POIS VC NÃO FALOU QUE ELE JOGOU BOLA COM ELE NAQUELE CLUBE NAO LEMBRO O NOME (RISADAS) KKKK BRINCADEIRA SEU TIO ACHOU MUITO LINDO VOU PROCURAR ALGO PARA VC AQUI NAS MINHAS COISAS BJUSS E MUITO BONITO VER UM NETO TAO DEDICADO COMO VC PARABENS