quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Brasileirão é Brasileirão, e não se fala mais nisso

Eu tinha decidido que não comentaria a esdrúxula decisão da Confederação Brasileira de Futebol de unificar os títulos Roberto Gomes Pedrosa (Robertão) e Taça Brasil com o Campeonato Brasileiro.

Qualquer idiota percebe que a ideia da instituição é beneficiar uns e prejudicar outros, mas prefiro não entrar no mérito da questão, pois me irrito demais quando o assunto é CBF.

Por outro lado, uma explicação a quem sequer sabe o que significa unificar três competições distintas é muito válida. E hoje, lendo o blog Olhar Crônico Esportivo, do colega Emerson Gonçalves, do Globo Esporte.com, encontrei um artigo muito bom falando a respeito e explicando, de forma clara e compreensiva, a decisão maluca e incoerente tomada pela CBF.

Tomei a liberdade de publicar aqui no Papo de Bola com FR no intuito de divulgar o texto cujos argumentos são valiosos e verdadeiros:


Por que reescrever a história?

Por Emerso Gonçalves

Hoje existe o photoshop, badalado e usado até além dos limites do imaginável. Mesmo sem ele, entretanto, os soviéticos durante décadas modificaram a realidade, tentaram reescrever a história. Por ordem de Stalin, todas as fotos de grandes momentos da Revolução de Outubro e dos primeiros anos do regime soviético, em que Trotsky aparecia ao lado de Lênin, foram retocadas, já que a determinação era clara: deletar Trotsky. Nos textos e livros a tarefa era bem mais fácil, bastava apagar, queimar ou censurar previamente. Em pleno quarto final do século XX, nos derradeiros momentos da União Soviética, o photoshop primitivo, mas eficiente, continuou funcionando: as fotos de Gorbatchev eram retocadas para eliminar a mancha avermelhada em seu crânio. Entre outros motivos alegados, um era que parte do povo russo associava aquela mancha de pele a um sinal do coisa ruim.

Por aqui, nessa Terra de Vera Cruz, é comum vermos e ouvirmos mestres diversos, sem formação digna de tal título, tentarem reescrever nossa própria história, qualificando com olhos radicalizados e deformados de hoje as bandeiras e bandeirantes do passado. E por aí vai e vai longe.

No futebol também vemos uma tentativa de reescrever a história, através da tal unificação de títulos nacionais.

Com todo o respeito que merecem os grandes times e craques do passado e até por isso mesmo, acho que estamos vendo uma grande bobagem, difícil de ser levada a sério por quem tem um mínimo de conhecimento histórico e também de futebol.

Para quem não gostou dessa introdução, paciência. É o que penso e não vou pensar diferente para agradar a quem quer que seja.

A Taça Brasil nunca foi um campeonato nacional. Paulistas e cariocas entravam na disputa já nas semifinais e dela participavam somente os campeões estaduais. Vou mais longe: era um torneio que pouco interesse despertava no torcedor, pelo menos na cidade e no estado de São Paulo. Pequeno era seu impacto e mesmo palmeirenses e santistas interessavam-se muito mais – e às vezes tão somente – pelo Campeonato Paulista. Digo isso por ter vivido aquela época e por ter palmeirenses e santistas em minha família, além de corintianos e são-paulinos, mas uma vista d’olhos nos arquivos de nossos jornais mostrará o mesmo quadro. Aliás, tivemos casos de clubes que não a disputaram por falta de interesse e até mesmo W.O. em 1968, quando o Metropol, de Santa Catarina, não enfrentou o Botafogo.

Nos títulos de 63 e 65 o Santos disputou quatro partidas em cada competição.

Quatro!

Na conquista de seu pentacampeonato da Taça, série que foi quebrada pelo Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes, o time do Santos disputou um total de 24 partidas. Aliás, essa é a lembrança mais forte, quase única, que tenho da Taça Brasil. E não pela competição em si, e sim pelo fato de um time até então pouco conhecido dos torcedores comuns surgir no cenário goleando o Santos, vencendo-o em dois jogos seguidos. Meu pai era mineiro, mas ele próprio quase nada conhecia do Cruzeiro naquela época, embora conhecêssemos muito bem o Tupi, pois grande número de parentes morava em Juiz de Fora, e dois de meus primos jogaram por essa equipe.

Em cinco anos, em cinco edições da competição, um total de 24 partidas. Apenas para efeito de comparação, o campeão brasileiro – de fato – que mais “moleza” encontrou, foi o Vasco da Gama, em 1989, que disputou “somente” 19 partidas para conquistar o título, vencendo o São Paulo no Morumbi, com gol de Sorato.

Dezenove! E foi o campeão com menor número de partidas disputadas.

Claro que isso por si só não é fator que justifique isso ou aquilo, mas dá uma boa ideia do que é uma taça, uma competição com caráter de copa, e o que é um campeonato nacional de fato.

Volto a um ponto em que já toquei: para o torcedor, e também para a imprensa da época, a Taça Brasil nunca teve o caráter de um campeonato nacional.

Como tampouco teve esse caráter o Robertão ou, na verdade, o Rio/São Paulo um pouco ampliado. Os clubes participavam por convite, não por direito. E a competição não abrangia todo o Brasil, muito pelo contrário. Embora já tivesse uma cara mais próxima da de um campeonato nacional, não o era. Dizer que foi é deturpar a história, simplesmente. O que vai nos levar a mais uma insanidade: dois campeões brasileiros no mesmo ano, por duas vezes (Palmeiras e Palmeiras, em 1967, Botafogo e Santos em 1968). Nada mais tupiniquim, realmente.

O Campeonato Brasileiro começou em 1971.

Esse é o fato.

Não há porque desmerecer o passado tentando reescrevê-lo.

Em tempo: o que ocorreu em 1987 nada tem em comum com o passado. Tivemos duas competições efetivamente nacionais, com duas organizações diferentes, uma das quais oficial. E a outra, mesmo não sendo oficial, tem e teve o respaldo de grande parte da sociedade e do mundo da bola como um autêntico campeonato brasileiro.

Finalmente, acho estranho a direção de uma confederação dar-se o direito de mudar a história. Que eu saiba, clubes e federações estaduais (fazer o que se elas existem?), mas principalmente os clubes, razão de ser do futebol, não foram consultados a respeito. Não vi nenhuma convocação de uma assembleia geral para discutir e votar essa proposta.

Não reconheço legitimidade numa decisão de gabinete como essa, caso ela venha a ser tomada, realmente.

E, ao fim e ao cabo, a pergunta do título fica sem resposta: por que reescrever a história?

Não vejo motivo real para isso.

(Lembrando a todos, o que não deveria ser necessário, que isto é uma opinião, no caso, a minha. Cada um é livre para pensar como melhor entender e manifestar esse pensamento. Este OCE está, como sempre, aberto ao debate e à manifestação de opiniões, desde que com um mínimo de educação e sem ofensas.)

Fonte: Blog Olhar Crônico Esportivo - Emerson Gonçalves

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